29 de setembro de 2009

"estado crônico: adaptação, orientação"

Ontem me perguntaram por um velho amigo. Já faz muito tempo desde a última vez que o vi. No fim das contas, o grupo continuou conversando, mas indo para casa, no carro, tentei rememorar todos os segundos daquele último encontro perdido entre as brumas de minha memória.

Lembro que quando o vi pela última vez, já havia alguns anos que não o encontrava. Havíamos sido grandes amigos de infância, no fim da adolescência nos mudamos e só voltamos a nos encontrar depois que já tínhamos nos formados, mas parecia nada havia mudado em nós, além da ação do tempo. Éramos ingenuamente tolos ainda.
Depois da bateria usual de questões que dois velhos amigos costumam perguntar, ele, visivelmente mais a vontade, começa a falar de forma mais soturna, do mesmo modo que sempre falou e que lhe rendeu o apelido de “estranho” na escola. Ele assumiu essa postura depois de alguns segundos em silêncio e soltou:
Somos todos um bando de cínicos, amargos e chatos
Eu ri e ele respondeu àquilo:
Você acha que não, mas somos uns deslumbrados pela vida adulta que só costuma tirar algo de nós e, convenhamos, nunca nos dá nada realmente decente em troca”.
Falei que talvez não tivéssemos vivido suficientemente para nos adaptar, mas que me sentia bem em ser “adulto”.
Ele desviou o olhar em tom de desprezo, cantarolando alguma música lúgubre de nossa adolescência recheada de bons vinis ouvidos ao lado de garrafas de vodca no chão do quarto. Então, falei que ele não romantizasse tanto os detalhes que a vida mostra, que além das mentiras há outras construções no mundo que ainda valem a ser visitadas, que ele vivia como os personagens de nossas músicas favoritas, com a dor no peito constante, mas que ele sequer sabia de onde raios vinha essa dor...
Vem do fato de odiar viver uma vida que não é minha. A TV ligada e eu dormindo na frente dela, com uma cerveja esquentando na mão e a incerteza de que escolhi os caminhos certos”.
Falei para ele esquecer aquilo, afinal nunca teríamos certeza de que o caminho tomado era o mais correto, ou mais vantajoso, ou até o mais fácil.
“Eu sei” - disse ele - “mas esse ar de intelectual jogado num canto de um café francês? Somos assim, meu caro, você só se adaptou mais fácil, mas ainda é assim...”.
Disse que adaptação era muito mais uma necessidade do que uma escolha, mas a hora urgia e tive que ir embora.

Chegando em casa, procurei na velha agenda o seu telefone. Por sorte, ainda era da casa dele. Sua filhinha me informou que ele havia ido ao culto, mas que a noite estaria em casa, depois me perguntou se eu era de um dos casais que ele – agora pastor – iria orientar a noite. Disse que não, me despedi e desliguei.
Adaptação e orientação. Estranho como o mundo é na verdade irônico!

***


Da série "estado crônico"

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