22 de outubro de 2012

doces que lembram


Conheci Verônica há mais de uma década (97, 98), não tenho certeza. Eu a conheci através de fios que vinham da parede e amigos em comum. Ela zoava com todos, assim como eu e dali nasceu um relacionamento interessante.

Estou falando do final do século XX, quando os temores de uma guerra nuclear já estavam aliviados e nunca imaginávamos que haveria um 9/11. Quando uma geração de adolescentes tentava dar os próprios passos em uma época de incertezas. Os anos 80 haviam sido estranhos, os 90 despontaram com uma certa dose de esperança e com ídolos atirando em suas cabeças ou arremessando TVs pelas janelas de hotéis. No final da década de 90, internet ainda era um troço desértico, mas havia uma pequena parcela da molecada que já a utilizava para interagir entre si e essa interação moldou todo esse grupo sobre os modos de lidar com o mundo lá fora, offline.

Voltando a Verônica, eu a conheci no meio disso tudo, enquanto cursava o ensino médio e me perdia em minhas escolhas sobre o que aconteceria quando aquilo tudo acabasse. Verônica era ainda mais perdida do que eu, mas isso pouco importava. Se haveria vida interessante pós-ensino médio, não sabíamos. Apenas acreditávamos que continuaríamos amigos, zoando com a cara de cada pessoa que cruzasse nosso caminho, com corações livres para abusarmos de nossas escolhas estúpidas (como ela escolher cursar francês ou eu gostar de poesia), afinal, não se pode ser sério aos 17 anos... e continuamos sem ser até os 21, mas aí eu já estava me formando,  buscava um emprego,  tentava continuar a vida acadêmica, já namorava sério uma garota (que morria de ciúmes e não acreditava que nunca havia beijado Verônica).

Nesse período, Verônica começou a fazer faculdade, mas do outro lado da cidade. Ela também morava bem longe de mim e o tempo escasso restringia nosso contato aos fios que vinham da parede. Um dia, ela me contou que tinha sido convidada para estudar em outro país. Minha primeira reação foi de alegria: para alguém que sequer sabia o que queria da vida, ter a oportunidade de cursar metade da faculdade em outro continente era sensacional. Logo em seguida pensei “ela irá pra longe”, mas também lembrei que ela já morava longe e que nossos horários não batiam. Continuaríamos nos falando do mesmo modo, só que ao invés de estarmos na mesma cidade, haveria o Atlântico entre nós.

Acho que fui quem mais a incentivou a sair e ela foi. Durante dois anos, passamos de “mal nos falarmos” a “não nos falarmos”, lance de fuso horário e tal, até o dia que ela me mandou um e-mail dizendo que estava voltando. Não me aguentava de felicidade em poder revê-la, mas nessa época eu estava no meio de uma crise com aquela mesma namorada que tinha ciúmes de Verônica e por causa disso, não pude vê-la quando chegou ao Brasil. O problema maior é que Verônica não havia me dito que sua estadia seria de apenas uma semana e que, depois, ela voltaria para a Europa de vez. Nessa época, eu também corria para ajeitar detalhes de um casamento que nunca aconteceu... assim, ela veio, resolveu pendências burocráticas, arrumou as malas e voltou pra lá sem termos a oportunidade de nos falarmos. Havia amizade, mas também havia um abismo entre nós, cavado pela distância e pelo tempo.

Deixamos os dois de usar os antigos e-mails (que eram bem ridículos, principalmente pro meio acadêmico) e ela me contou, numa das poucas vezes que falei com ela depois que mudou de vez, que tinha criado uma verdadeira ojeriza ao mundo virtual. Eu até entendo (ou pelo menos tento, sei lá!), só não faço ideia de como posso contá-la que serei pai...

Por que lembrei dessa história? Porque ontem, depois de anos, comi uma cocada, mas que mais parecia um “beijinho”. Essa guloseima sempre me lembrou Verônica por dois motivos, primeiro por ser seu doce favorito e sempre que ela tinha a brilhante ideia de fazê-lo, a cozinha sofria severas consequências. Inclusive, foi numa dessas tarde que ela tentou fazer isso lá em casa que assistimos Clube da Luta pela primeira vez e ficamos pilhados, com o doce escorrendo pelas colheres e nossos olhos vidrados na TV. O outro motivo é tão ridículo quanto os “nicks” que usávamos nos anos 90, pois o dela, fazia referência direta a esse doce, apenas impossível dissociar, pelo menos pra mim...



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da série "estado crônico"

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