23 de setembro de 2008

"sobre corações e adultos"

Vendo um desses cartões de datas comemorativas com mensagens apaixonadas certo dia, deparei-me com uma imagem banal, um senso-comum dentre esse tipo de mensagem: Snoopy a abraçar firmemente um coração vermelho.

Nada demais, pensei, mas logo me veio outra questão, já estive eu com o coração de alguém em minhas mãos? Lembrei que sim e isso me deixou angustiado. Compartilhar tal momento, entregar tal órgão nas mãos de quem se ama foi algo que fiz umas poucas vezes. Como algumas poucas vezes, eu tive em minhas mãos aquele corpo vermelho, do tamanho de um pulso fechado, pulsando por estar ali, totalmente entregue.

Partilhar tal momento, a meu ver é na verdade partilhar um fardo. Talvez tenha posto meu coração mais vezes em mãos alheias do que ousaram por nas minhas, mas as vezes em que estiveram pulsando em minhas mãos os sentimentos dos outros me deixaram angustiado. Não que seja de todo ruim, receber algo tão íntimo. Na verdade, é uma sensação maravilhosa quando você toca nele pela primeira vez. Vem toda aquela sensação de poder e ao mesmo tempo de se sentir especial para alguém, mas logo isso passa a me angustiar, pois sempre que me vejo naquela mesma situação do Snoopy acima, passa pela minha mente um temor: desde a mais tenra idade fui um desastrado, o que me faz morrer de medo de derrubar e assisti-lo se quebrar ao tocar o chão, sem poder fazer nada.

Isso definitivamente, angustia-me por demais.


***


“O que você vai ser quando crescer?”

Geralmente eu respondia “grande”, quando era criança. Trauma de um fedelho que sempre foi o mais baixinho da turma. Quanto a isso, tudo bem, passei da média local e nacional, mas confesso que não nutria grandes desejos a respeito de profissões quando mais novo.

Até meus 6 ou 7 anos, encharcado de inocência, eu só tinha medo: faria 18 no ano 2000, quando estouraria uma possível 3ª guerra mundial (ou uma invasão alienígena), na qual eu poderia não sobreviver, aliás, eu dificilmente sobreviveria, já que com 18, eu não seria nada além do que os militares chamam de “bucha de canhão”, aqueles que vão na frente para morrer primeiro e tentar enfraquecer as linhas iniciais inimigas. Tudo bem, eu via muitos filmes de guerra e de ficção cientifica na época, mas convenhamos, isso fazia sentido no final dos anos 80.

Passaram-se uns poucos anos e entrei na adolescência com um sentimento comum a todos daquela idade: a vontade de mudar o mundo. E tinha que ser algo grande, nada de “pensar globalmente, agir localmente”. Queria sair, com mochila nas costas e acabar na África, ou pela América Latina, ajudando quem precisasse, independente da raça, classe ou espécie (sim, eu também pensei em ingressar no Greenpeace).

Quando cheguei na hora de escolher um curso na faculdade, fiz o que achava mais prudente, e não me arrependo, apesar das minhas alegrias e decepções (como acontece com qualquer relacionamento). Claro que fui influenciado por familiares nessa escolha, só que não foi como eles queriam. Simplesmente tomei todas as experiências que eles tentaram me passar para eu ver que caminhos eu não queria seguir.

Depois de quase uma década após a escolha por uma profissão, fico pensando como seria meu caminho se as escolhas fossem diferentes, talvez minha vida não fosse tão acadêmica, e acabasse por partilhar com as opiniões de Holden, personagem de J. D. Salinger:

“-Você sabe o que eu quero ser? - perguntei a ela. Sabe o que é que eu queria ser? Se pudesse fazer a merda da escolha? Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo... E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser o apanhador no campo de centeio.”

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