29 de novembro de 2008

"estado crônico: fim dos tempos"

O texto é antigo, agosto de 2006 para ser mais preciso, mas como as peripécias de Marco Fontes instigaram, eu o trouxe de volta, juntamente com Damien, seu protagonista.

Boa leitura para vocês e boa rememoração pra mim.

***

Vale a pena esperar? Dizem que “quem espera, sempre alcança”, mas pelo o que? E valeria a pena? Pois nessa ilha interna que carregamos, cercados de água (ou ódio, ou angústias, enfim, escolha seu veneno) por todos os lados, nunca aportam os navios que avistamos ao longe. Será que realmente, há algum espaço para nós neste mundo? Sentir-se um apêndice dessa obra, um penetra nessa festa é permitido. Então, seja meu convidado!

Um sonho acordado, apenas um lapso espaço-temporal no meio do cotidiano (aquele que mata as pessoas, por fazerem-nas envelhecerem em suas mentes e murcharem) e assim Damien foi conversar com seu criador, no dia do juízo final:

- Então é assim que termina? - perguntei

- Não. Isto é uma passagem. Algo necessário para decidir o destino de sua alma.

- Ah! Por falar em alma. Qual a origem delas? De onde elas nascem? E não me diga que é do nada, porque seria realmente uma piada.

- Calma! Ainda não é o momento para isso. Temos que discutir outras coisas antes, garoto. – falou de modo carinhoso e compreensivo.

- Ok. Seu território, suas regras.

- Ótimo! Podemos continuar?

- Você é quem manda.

E ele continuou:

- Aqui está seu livro. Quando um de meus caçulas nasce, um livro é criado para contar sua história. Toda sua vida, pensamentos, atitudes e sentimentos estão aqui descritos. Esta é a hora de ponderar a respeito do seu caminho.

- Isto é o juízo final? – perguntei, espantado – Sem os cavaleiros do apocalipse cavalgando nuvens vermelhas e pessoas gritando por perdão? Sem os selos e outras coisas mais?

- Não acredite em tudo que lê, meu jovem. João sempre foi um grande escritor, mas também sempre gostou de exageros. Esse foi um dos capítulos que você mais leu de um dos chamados livros sagrados, a Bíblia, não foi?

- Claro! É o mais divertido. O gênesis é legal também. É um lance meio existencial: ir buscar a origem, ver nascer algo, milagre da vida e depois partir para o último livro e tentar ver o final dos tempos.

- E com o “entre”, o que fez? O que havia entre o começo e o fim? – argüiu-me.

- Eu estava vivendo! Desculpa. – dando uma piscadela para aquele senhor.

- Sei, mas continuando: Em seu livro está escrito sobre suas atitudes. É impressionante quantos corações você partiu. Algo mais impressionante ainda é o número de vidas você tirou. Sinceramente, isso é o suficiente para eu fechar este livro e dizer que é tarde demais para salvar sua alma. Qual sua defesa?

- Minha desculpa por ser assim? O mundo! – respondi, de imediato.

- Minha obra é perfeita! – revidou com certa ira em seus olhos.

- Seu Egocêntrico!

- Cuidado com as palavras, mocinho.

- Mas não falo do mundo como espaço físico. Falo das pessoas que transformam o mundo em um lugar horrível. Sei que foram criadas por você, mas sempre tendem a se perder. É impressionante...

Ele suspirou e me interrompeu:

- Mas é verdade. Não sei se me chateio com vocês, meus caçulas, ou com meu primogênito. Mas, continue sua defesa...

- Ok. Tenho pecados, afinal quem não os têm? No momento que busquei uma solução para eles, esbarrei nos meus fantasmas, nos esqueletos no meu armário, nas minhas ilusões. Por isso parecia que não havia lugar nessa terra que eu pudesse chamar de lar.

- É... Tem esse problema dos esqueletos no seu armário. Não precisava guardá-los lá, literalmente.

- Esse comentário foi desnecessário, hein? Só o que me faltava: você ser um piadista. Você deve saber o quanto é chato ficar cavando covas no quintal.

- Não. Não sei, mas continue. Onde entra “o mundo” nisso tudo?

- Você é realmente um comediante. – falei, enquanto balançava negativamente minha cabeça.

- Continue. Não me faça desistir de você.

- Ok. Como eu posso não culpar o mundo que transforma um bom homem em uma pessoa ruim? Que faz com que os insanos assumam o poder e os mais lúcidos percam seus rumos? Que transforma assassinos em heróis? E eles ainda recebem medalhas! Não sei quem é o mais sarcástico: Você ou seu primogênito!

- Você está passando dos limites. Controle-se!

- Mas é sério. Sei que tenho débitos com algumas pessoas e até contigo, mas que o mundo contribuiu para essa desgraça que eu virei, ah, isso é verdade.

Ele suspirou e disse:

- É verdade. Tudo bem, então. Dessa vez você se salvou. Você...

- Como assim dessa vez? – eu o interrompi – Quer dizer que pode vir a ter outras vezes? Esse lance de reencarnação existe mesmo?

- Já te falei: não é a hora ainda. Você não tinha tantas perguntas existenciais assim quando estava “vivendo”. De onde estão vindo estas?

- Curiosidade, só isso! – respondi sorrindo, sentindo que ele realmente gostava de mim e continuei – ...me dizer o sentido da vida, nem pensar, não é?

E me olhando já com uma irritação visível no olhar, disse:

- Mas continuando, se você me deixar falar, dessa vez sua alma se salvou. Não culpe o mundo tão acintosamente, ele tem sua parcela de culpa, mas você é que carregava armas no seu cós. Ponderando os capítulos do seu livro, você se salva. Pode ir, então.

- Para onde? – perguntei curioso.

- Isso não posso dizer ainda. – respondeu, enfático.

- Ah não! alguma coisa você vai ter que me dizer.

- Garoto, não seja tão chato. Sai já daqui. Seu futuro está selado e você o conhecerá adiante, atravessando aquela porta. Boa sorte!

- Valeu, então! – agradeci.

E assim caminhei em direção a porta que ele havia apontado, mas antes sair, virei-me para ele e falei:

- Você é um bom comediante, mas sabe o que seria realmente engraçado? Não haver nada após a morte.

Ele cerrou os olhos e me fitou irado. Tentei explicar-me

- Mas é serio. Imagine só bilhares de pessoas que acreditam que haveria algo, quebrando a cara, simplesmente deixando de existir. Sendo esquecido não só no plano físico, mas também no espiritual.

- Saia já daqui! – Ordenou, irado. – Antes que eu me arrependa!

- Ok, mas isso seria realmente engraçado. – falei já de costas em direção ao meu destino. A última coisa que ouvi quando já estava atravessando a porta foi um sussurro dele, dizendo: “Esses meus caçulas são realmente umas figuras!”


Da série "estado crônico"

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