22 de junho de 2010

"estado crônico: o quarto ou a alma?"


Parou e olhou ao redor: tudo estava no lugar. Depois de horas de arrumação, o quarto parecia limpo, arrumado, receptivo. Não havia mais os posters de filmes antigos na parede; não havia mais revistas de super-heróis espalhadas pelo chão; não havia video games antigos, com seus controles estragados e cartuchos castigados de tanto sopro nos cantos do quarto.
Ali, no centro daquele quarto emanava a maturidade. Havia ali, uma sensação de dever cumprido, página virada, tarefa realizada. Não havia mais passado, e sim, o presente que era adulto, maduro, com barba feita que revelava que a idade se aproximava, mas nem tanto assim. Talvez barbado, parecesse até mais velho.

O último elemento a ser tirado: a bandeira que tremulava soberana sobre a sacada da janela do quarto. Ela também iria embora, independente dos títulos, vitórias, jogos memoráveis e ídolos do clube. Era uma limpeza quase que carnal e ela não podia ficar ao léu, sendo agitada pelo vento que a fazia zumbir, por vezes. Outras tantas vezes, esse barulho que lhe embalou o sono.

Quando já saía do quarto, rumo ao banho (que é necessário depois
de toda boa faxina), percebeu dois porta-retratos que lhe fizeram parar: o primeiro trazia a foto dela que havia sido o estopim de tudo, que era o fim da vida como ele conhecia e que havia feito com que ele mergulhasse em um mundo que parecia imprudente tentar voltar. Contudo, ela não ia mais voltar. Havia partido para sempre e mesmo que, às vezes, “para sempre” não demore tanto assim, ele sabia que nesse caso, era de verdade. Já o segundo, trazia a foto de um grupo de amigos, desses que o tempo corrido das grandes cidades, a necessidade de trabalhar cada vez mais para nos sustentarmos e as obrigações que costumam acometer os dias, não nos deixam mais visitá-los. Sabia pouco de como estava cada um, mas não podia fazer muito diferente, já que havia escolhido um novo mundo sério, sólido, de cores sóbrias que não cabia o colorido de um desses carnavais irresponsáveis do passado.

Por fim, ele pegou os porta-retratos e atirou ambos no lixo, mas antes retirou as fotos e guardou numa gaveta, ao lado das contas a pagar. Já havia sido duro demais consigo mesmo, alguma coisa precisava lhe lembrar quem afinal ele era.


***
Ligeiramente inspirado em Scott Pilgrim contra o mundo
(que venha logo o Vol. 3)


Da série "estado crônico"

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