O céu perdia o cinza. O azul já havia morrido, ainda que fosse dia. A escuridão da tormenta mostrava seus sinais ao longe, ainda que se aproximassem em uma velocidade espantosa. Da janela, eu via o céu e a vista dela sempre me fascinara, mas agora não.
Do Centro, víamos relâmpagos violentos. Dos que pareciam sair do chão rumo aos céus. Relâmpagos que esbravejavam, que abriam caminhos, que até pareciam não escolher vítimas. Da deserta área central, sentíamos o vento frio e forte do ódio, poderoso como uma faca que corta a pele e ceifa a vida. Minha vida já não importava. Nem aos outros, nem a mim.
Aqui, longe do centro, trovões como vozes de mil atormentadas almas ribombavam clemência. Não existia isso. Há séculos, já havia a sentença. A minha, a dele.
Ele me encarava com olhos marejados, como se meu abraço, mesmo que ali o coubesse, não fosse suficiente. Escutávamos tudo calados, enquanto ele coçava os olhos com as costas da mão e em seguida, secava as lágrimas de meu rosto que eu sequer notei que caíam.
Achei ter visto um raio de sol entrar pela janela, mas o relâmpago clareou o pequeno quarto, iluminando cada detalhe dele por um segundo. E estávamos lá, sentados ao chão, com nossas marcas expostas, com nossas peles a mostra, que em seguida, se confundiam com a escuridão do quarto, pois o dia já morrera. A noite veio. Em seguida, a madrugada, a hora das cobras e dos algozes.
Pedi perdão ao mundo, a ele. Já sabia que minha passagem logo chegaria ao fim. A dele continuaria, em contagem regressiva, até que os trovões silenciassem, até os relâmpagos cortassem céus e almas, pois eu sabia, a chuva já começara a cair.