17 de outubro de 2008

estado crônico: “Perfume da garota do último bar”


Cheguei ao meu quarto de hotel cansado, exaurido. A noite havia sido pesada e a última coisa que não desejava era estar sentado à beira da cama, com o rosto repousado sobre as palmas abertas e os cotovelos apoiados nos joelhos. Era assim que eu estava, logo após penetrar a escura solidão do meu quarto, recheado de pó das ruas de Los Angeles que entrava pela janela esquecida aberta.

A ressaca já dominava minha cabeça e estava quase tomando o meu corpo inteiro, então me veio um pensamento solto. Um raio inesperado que toca o chão anunciando a tempestade iminente: “um banho e estarei livre disso!”.

Tirei minhas roupas, arremessando-as sobre a cama. Fazia isso com uma certa raiva contida, acreditando que perderia algo estava preso a elas, arrancaria de mim. Minhas roupas traziam a poeira das ruas e o cheiro daquela garota do último bar pelo qual havia passado. Um cheiro forte, de alguma flor que havia deixado na lembrança de minha infância no interior do Colorado, mas não estava apenas nas roupas. O cheiro estava nos meus cabelos, na minha pele, talvez até na minha alma. Então, começou o dilema: manter o cheiro e deixar a ressaca se instaurar, adentrando ao inferno dos sentidos, salvo pelo olfato e a memória, ou, lavar literalmente a alma, em um banho demorado no qual o ralo seria o destino das vantagens e desvantagens da noite.

A cabeça doía mais do que nunca e isso me fez decidir: ao chuveiro!

Adentrei ao boxe de cabeça baixa e só a ergui após sentir a água do chuveiro agredir minha nuca e escorrer pelas minhas costas. Encarei-a, sentido tocar meu rosto. Alívio imediato das dores, mas sentia também perder algo. Sentia limpar-se daquela poeira e ao mesmo tempo, o cheiro perdia seu poder, sua força. “A vida é dura, Bandini”, pensei e deixei-me lavar pela água fria que caía sobre mim.

Saí do chuveiro e rastejei até a cama, apenas a toalha e minhas roupas a me separar de meus lençóis. Tentei dormir, mas a lembrança do cheiro daquela garota me incomodava. Apenas a lembrança, pois o cheiro não existia mais, nem mesmo em minhas roupas, como havia conferido. Então, fui tomado por um desespero. Queria o cheiro de volta e me arrependi do banho, de ter entrado no quarto, da civilização que estava inserido, de tudo.

Chorei sozinho, por achar que não haveria mais nada a me machucar a não ser a perda, mas algo estava reservado para mim e aquele pó que desceu pelo ralo de meu banheiro levou apenas o cheiro, pois a ressaca, esta sim, ainda estava comigo e já havia me possuído por completo.



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