28 de agosto de 2013

minhas palavras

Eu perdi minhas palavras.
Deixei-as em algum lugar, talvez. Não sei onde estão, não as tenho comigo nesse momento. Na verdade, já deve ter algum tempo e eu nem cheguei a notar. Minhas palavras devem estar por aí, mas não aqui.
Confesso que não sei se elas me seriam úteis. Entendam: sinto falta delas, porém, se aqui estivessem, provavelmente estariam largadas em algum canto, talvez até esperando para serem usadas. Não sei se as usaria.
Na verdade, não sei se saberia como usar. Os tempos passam, as coisas mudam, as palavras enferrujam e, esquecidas num canto, permanecem estáticas com o mofo crescendo ao redor. Não estão mortas, apenas deixadas para morrer.
Se eu procurar minhas palavras talvez até as encontre nesse estado, num canto do quarto. Não seria uma busca despreocupada que me faria achá-las, isso demanda tempo e esforço. Ah o tempo! Ai o esforço! Se eu me dispusesse a entrar nessa jornada em busca de minhas palavras, sei que teria de me dedicar ao máximo, ao extremo e, acredite, ainda tenho disposição e coragem para tal feito. Contudo, não agora.
Agora tenho as contas. Contas que brotam, contas ao extremo, contas e impostos que sequer sabia que existiam e eles batem em minha porta me lembrando que o mundo é real, que o sonho é efêmero, que a dor é constante. A dor, por exemplo, deixou de ser, há tempos, uma abstração, um incomodo figurado no peito. As costas doem, as pernas doem, as panturrilhas doem e o peso desse mundo real desaba nos ombros, com contas e impostos me lembrando que isso é só o começo.
Além das contas e dos impostos, há as responsabilidades profissionais e as minhas palavras que eram uma constante até nesse campo se tornaram desnecessárias. Veja bem, não abandonei as palavras. Simplesmente deixei de usar as minhas, quando adotei uma forma, um conteúdo e um discurso (pode fechar a conta e chamar de “estilo”) que passaram a compor a burocracia do trabalho com palavras que não me pertencem. 
Nesse mar de palavras não-minhas, as minhas foram se perdendo, esquecidas, enferrujadas pelos cantos. Como um cachorrinho que traz a bolinha na boca querendo brincar e você só lhe afaga rapidamente a cabeça, dizendo “agora não!”.
“Agora não!”, minha palavras. Nem “agora” e talvez nem “amanhã”. Pelo menos não tão cedo, com certeza, pois relatórios não se preenchem sozinhos com palavras não-minhas, projetos e slides tão pouco. Não é hora nem lugar para isso, minhas palavras. Talvez, apenas em um futuro próximo seja hora de voltar às minhas palavras, mas enquanto isso, nem me proponho a procurá-las.
Não se preocupem, minhas palavras! Vocês não são as únicas enferrujadas. As palavras dos outros que venho lendo também não são as minhas favoritas. Se a escrita se burocratizou, as leituras também viraram meras obrigações escasseadoras de horas e lugares nos quais preferia estar em contato com mundos escritos que eu pudesse escolher, não que me fossem obrigados a racionalizá-los.
Há outro horizonte à frente, mas ainda há neblina. As expectativas ainda estão turvas, a visão não me permite ver mais longe que algumas horas, que um palmo. Não há futuro próximo para minhas palavras, pelo menos por enquanto e enquanto divago aqui, relatórios se amontoam, projetos deixam de ser escritos, apresentações deixam de ser organizadas, prazos começam a chegar perto de meu ouvido e dizer “you lose!”.
Hora de voltar para as palavras deles e esquecer, ainda que por enquanto, as minhas.
Elas voltarão um dia. Pelo menos, podem voltar. Deveriam voltar. Acho.



***

da série "estado crônico"

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