20 de novembro de 2008

"estado crônico: encontro perdido"

Nos dias de hoje, boas notícias são raras.

Recebi ontem uma carta de um amigo. Nela, ele comentava a respeito dos primeiros passos de sua filhinha. Na verdade, eu sequer sabia que ele havia sido pai e essa era a função da carta, que havia sido atrasada sua escrita pela correria que um novo membro na família traz. Nela, ele pedia desculpas pelo quase um ano de diferença entre o nascimento de sua filhinha e o envio de notícias.

Obviamente, ele está mais do que desculpado, pois para me comover mais ainda e ainda perdoá-lo mais rápido, ainda mandou uma foto da garotinha brincando na praia com a cadelinha que o casal já tem há alguns poucos anos.

Ter notícias de alguém que não se vê há tempos é muito bom, melhor ainda quando tudo está bem, quando se tem um grande presente de 9 Kg de pura fofura nos braços.

Fui deitar com um sorriso nos lábios, a vida fazia sentido.

***

Acordei assustado ontem à noite com o telefone tocando, ao lado da cama.

Demorei alguns segundos para recobrar a sanidade e entender onde raios eu estava.

Quando meu quarto fez sentido de novo, percebi quem estava fazendo o alarde que havia me acordado e então, atendi o telefone. O relógio marcava 3:40.

Meu amigo da carta ligava para informar que seu pai havia morrido no dia anterior. Câncer, algo assim. Confesso que o atordoamento não me permitiu gravar muitas informações naquele momento.

***

Fazia 4 horas que havia acordado. A claridade do aeroporto me obrigava a manter os olhos abertos nessa fila para o check-in. Embarcaria em alguns minutos para visitar meu amigo, para oferecer meu ombro quando ele se despedisse do seu pai e para conhecer sua filhinha. Não queria que fosse dessa forma, mas a dor da perda exige um conforto de um ombro conhecido. Nem sei se poderia oferecer isso a ele.

No telefone, em meio à voz de choro engasgado e angustia, meu amigo me pediu que fosse padrinho de batismo de sua criança. Não sou católico, às vezes nem em deus acredito, mas achei que seria uma grande honra e aceitei. A fila estava parada por uma senhora que havia esquecido sua identidade.

***

Desembarque, corredores, bagagem em esteiras.

Até sair da sala de desembarque, parecia que estava em um modo automático, no qual sequer pensava em que estava fazendo. Aeroportos me fazem desligar do mundo, um perigo para quem costuma viajar só. Quase perdi meu vôo, algumas vezes.

Meu amigo me esperava com certa aflição nos olhos. Quando me viu, me abraçou forte. Mal consegui vê-lo direito. Estava mais magro? A calvície já estava avançada? Não importava, sua testa encostava em meu ombro e sentia sua face molhada. Ele sussurrou um “obrigado” engasgado e confessou que não havia chorado até então.

***

Sou recebido na sua casa por sua esposa, velha amiga dos tempos de faculdade. Outro forte abraço e mais uma pequena porção de lágrimas.

A cadelinha deles pula nas minhas pernas. Estranho o fato, afinal animais não costumam ser tão amistosos comigo. Um papagaio já voou na minha cara uma vez, no sítio de um outro amigo. Outra história, não interessa agora.

Olho para o animal e faço-lhe um carinho na cabeça, o que faz com que ela saia correndo em disparada. Olho para meus amigos, quando vejo uma criança me olhando furtivamente, por trás do sofá.

Seu receio está estampado na face. Quando seus pais ameaçam falar com ela, ela se esconde. Quando tento fazer contato, ela corre para o quarto, atabalhoada e assustada.

Ponho minhas coisas no quarto de hóspedes. Faço um pequeno lanche quase que em silêncio com meus amigos. Tomo um banho rápido, pois meu amigo havia pedido para que eu o acompanhasse para resolver umas questões burocráticas.

Quando estamos saindo, a pequena criatura assustada sai do quarto, vem até mim, com a cabeça baixa e pega minha mão. Levanta a cabeça, me olha nos olhos e puxa meu braço, em direção ao quarto. Sua mãe fala que nunca havia visto ela agir assim e acaba indo com meu amigo resolver os problemas com a papelada.

***

Eu fico com a criança, sentado no chão. Brincando com suas coisinhas, enquanto ela faz questão de pegar tudo que gosta para me mostrar, pelo menos é assim que interpreto.

Depois de algum tempo, ela cansa e, sentada no meu colo, abraça meu pescoço e recolhe-se. Acaba dormindo ali, sem preocupação alguma e eu acabo me apaixonando por essa coisa tão pequena e tão pura.

***

É, boas notícias só são boas pelo mar de maus momentos que nos rodeia, mas definitivamente, valem a pena.

Da série "estado crônico"

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