30 de novembro de 2009

"chegada do inverno"



Geralmente é assim que as coisas acontecem: você entra num turbilhão de coisas e quando percebeu, está desaparecendo. Já vivi isso, é comum, mas não é normal, porque ser normal é justamente, não ser comum, por essas bandas.

Era tarde e fazia frio, um frio úmido, um frio nem tão gelado para quem que corria pelo descampado. Um frio solitário talvez, mesmo que acompanhado por uma rajada de vento que trazia folhas mortas do outono e a sensação de que esse inverno latente não perdoaria ninguém. E não perdoou...

Logo após a longa corrida pelo descampado, chegou onde queria: um velho poço que abastecia uma velha fazenda que nem existia mais. A tarde nublada não permitiria que ele conseguisse distinguir algo além da escuridão, ao olhar para dentro do poço, mas mesmo assim, ele o fez e mesmo assim ele conseguiu enxergar algo.
Viu alguns anos que haviam passado desde a sua última visita ao local, no dia que se irmão mais jovem ali caiu e se foi. Viu a saudade, o desalento, a solidão. Viu, através de sua visão periférica, o mundo de outra época voltar e mesmo assim continuou a encarar a escuridão. Ali, viu afinal a si mesmo, de forma única e se perdeu por minutos.

Então, um raio corta a escuridão e um trovão quebra o silêncio. Ele volta a si, mas percebe que talvez, não exista mais ele, poço, descampado ou o mundo. Percebe que tudo se esvai, se esfacela, se encerra em si mesmo, de dentro pra fora. Nota suas mãos sumindo, seus braços embaçando, o mundo e ele mesmo se tornando um quadro manchado pela chuva que começa a cair, no fim da tarde do último inverno que teve coragem de correr por aqueles descampados, antes de desaparecer.

***

Da série "estado crônico"

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