25 de abril de 2011

"estado crônico: my girl"

Aquele fim de tarde estava frio como há tempos não ficava. Um péssimo dia para não pegar o ônibus e ir caminhando ao Baile de Formatura que minha escola promovia todo ano. Terminava naquele ano o ensino fundamental e os professores já falavam em vestibular, faculdade ou sobre dar um sentido à vida. Eu só queria continuar lendo meus quadrinhos, vendo meus filmes. Se para isso, teria que estudar, tirar notas boas, tudo bem. Só não queria ninguém me perturbando.
O frio que aquela chuva de dezembro trazia era simplesmente insuportável e com muito esforço cheguei ao ginásio que graças à quantidade de pessoas e ao sistema de aquecimento, parecia ter uma temperatura se não agradável, pelo menos suportável. Tirei meu casaco e sentei no canto. Não queria dançar, estava ali obrigado pela minha mãe e por uma professora. Meu plano era chegar, ficar quieto e sair quando tivesse acabado.

Tomei um susto quando ao invés da velha banda de baile da cidade, um outro grupo musical começou a tocar. Dispostos a romper barreiras (ou ao menos fazer barulho), os caras começaram a tocar sucessos radiofônicos pra lá de agitados dos anos 60 e 70. Não era vontade de dançar, mas como o frio também apertava, decidi dar uma caminhada por entre as pessoas, tomar um suco ou simplesmente não ficar parado. Nessas andanças, esbarrei com colegas de classe (não amigos, não havia quem eu considerasse amigo naquele lugar). Logo, eles começaram a tirar chacotas comigo. nem liguei, tinha aprendido a ignorar graças a anos de brincadeiras. Só pra constar isso nunca me traumatizou, pedagogos de merda!
Em meio a essas brincadeiras, aos empurrões no meio das pessoas que se dividiam entre dançar e zoar com a minha cara, alguém me puxou pelo braço. Não sabia quem era, pois ao ser puxado fui parar perto demais de seu rosto. Ali, a milimetros dela, eu beijei uma garota pela primeira vez, no exato momento que a banda começava a tocar “My Girl”. E tudo isso para não vê-la mais, pois na semana seguinte, sua família mudou-se para outro estado.
***
Cresci, fiz minha faculdade, continuei lendo meus quadrinhos, vendo meus filmes e beijando algumas garotas. Por falar em beijo, aquele primeiro foi especial, pelo ineditismo, mas não sou um desses loucos românticos que passariam o resto da vida pensando o quanto eu poderia ter sido feliz com aquela garota. Passou, acabou, próximo parágrafo!

O que acho interessante nisso tudo foi que lembrei daquele primeiro beijo quando dei meu primeiro beijo casado. Afinal, a primeira dança que tive com minha esposa foi ao som de “My Girl” e por mais que em nenhum outro momento no qual ouvi essa música tenha me lembrado daquele beijo, no casamento eu lembrei. Não era saudade daquela garota de colégio, longe disso. Era muito mais a similaridade dos momentos. Como ritos de passagem que definem o que éramos e, principalmente, o que passamos a ser.
Ri comigo mesmo dessa “coincidência”, deixei-a de lado e segui minha vida, agora a dois.
***
Minha mulher acaba de chegar em casa comigo e com nossa primeira criança, uma menina linda. Cansada, ela deita no sofá. Ponho as coisas na mesa e a caderinha com a bebê, na mesinha de centro, de frente pra mãe que já parece cochilar.
Guardo as coisas o mais rápido que posso e quando volto, a bebê já parece incomodada, com um choro iminente. Vou até o aparelho de som e coloco para tocar a música mais suave que me vem na cabeça naquele momento.

Nos primeiros acordes de “My Girl”, já tenho a bebê no colo, que parece menos indisposta e vai relaxando lentamente em meus braços. Lembro das outras duas danças, das outras duas garotas e tenho a certeza que não existem coincidências.
Ali, com a bebê no colo, balançando lentamente, com uma agradável música a embalar o momento, ela me olha (mesmo sabendo que ela não consegue distinguir muita coisa) e sorri.
Ela é a minha garota, aquela pela qual passarei por tudo, para que aquele sorriso se repita, para que ela seja feliz e assim, me faça o homem mais feliz do mundo.

***



da série "estado crônico"
em homenagem a Erico Assis

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