Ninguém seria louco de negar que, hoje em dia, o mundo é uma grande rede. Que o viver real e o viver virtual se aproximam, quase se fundem, se é que não é essa a intenção. A conexão, o hipertexto, o cyberspaço mostram que as crianças já nascem com seus cérebros programados a pensar em “menus” como os celulares ou “janelas” como os sistemas operacionais. O mundo é isso, uma grande aldeia global e é aldeia sim, pois faz alusão ao modo (dito) primitivo de viver.
Essa grande aldeia engloba tribos, mas ao mesmo tempo deixa clara uma grande contradição: nossa interação agora é maquinal! Pense bem e verá que cada vez mais vemos menos as pessoas com a qual interagimos.
Falo de ver de verdade, “ao vivo”, e não os perfis espalhados pelas redes sociais que, nessa virtualidade pungente, todos fazem parte, de uma forma ou de outra.
A interação passa por filtros e esses têm uma dupla função: conectar e afastar. Usamos cada vez mais aparelhos eletrônicos e suas interfaces para nos mantermos conectados àqueles com a qual queremos interagir, mas ao mesmo tempo, construímos invólucros de solidão, por causa desses aparelhos. É estar rodeado de pessoas, às vezes interagindo com
elas, mas não sem um filtro e a necessidade de utilizá-lo. Isso não é uma crítica ao consumismo eletrônico ou às redes sociais. É o mundo em que vivemos e ele não vai voltar a ser simples, pois nós mesmos nunca o fomos, nem quando éramos “primitivos” e vivíamos em aldeias de paus e pedras.
Não por acaso, existe toda uma geração desconstruindo o que os que têm mais de 30 acreditavam imutáveis: faculdade não significa mais bom emprego; família torna-se um conceito muito mais aberto e complexo do que já foi; e acima de tudo, os jovens entram em uma grande espiral que os separam em duas categorias. Existem os que desde cedo se identificam com esse mundo pseudo-real, abraçam a desconstrução de paradigmas e, com isso, a reconstrução desses valores e padrões que pareciam imutáveis. Assim acabam se posicionando de uma forma diferente e entendendo que o lugar da qual fazem parte é realmente diferente. O grande problema é que estes são minoria.
O segundo grupo é formado por aqueles que se perderam nesse turbilhão de informação descartável e relacionamentos supérfluos. Eles foram atingidos pela desconstrução familiar e quando deveriam estar percebendo o mundo, simplesmente não acham motivo para fazê-lo. Estes (a grande maioria) estão enfurnados na interatividade de um mundo digital e que no fim das contas, separa ao agregar, afasta ao conectar e ainda vende a ideia de que todos podem ser algo além da normalidade que nos oprime. Vende a ideia de que, com fotos editadas em perfis virtuais (que funcionam como documentos digitais, em uma tentativa de se construir uma identidade), pode-se construir a imagem que quiser, o que faz de toda essa interação uma mentira, pois esses jovens sequer entenderam o que, no fim das contas, eles mesmos são.
Como falei, esse texto não é uma crítica a sociedade de consumo de eletrônicos ou às redes sociais, mas à falta de identidade tão evidente entre os membros dessa que é a geração mais perdida que o mundo já maltratou
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Da série " estado crônico"